quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Antropologia

ANTROPOLOGIA

Profa. Nara Magalhães

Orientações sobre um “exercício de observação”[1] :

Se você escolher:

- um lugar, um espaço (praça, hospital, rodoviária, sindicato, igreja, templo, bairro, vila, etc.) - tente descobrir o que aquele certo espaço significa para as pessoas envolvidas;

- um grupo - (de jovens, de idosos, de militantes políticos, de taxistas, de moradores de rua, de meninos de rua, de indígenas ou outro grupo étnico, um grupo de religiosos, um grupo de favelados, etc.) tente compreender seus valores, os porquês de suas atitudes, comportamentos;

- um tema (política, trabalho, lazer, violência) - tente descobrir em que espaço e em que grupo este tema pode se expressar.

Em qualquer dos casos, escolha uma tema ou um grupo que você tem dificuldade de compreender olhando só de fora. Ou escolha algo com o qual você não está muito envolvido ou comprometido, pois para um primeiro exercício de observação científica você poderá ter dificuldade em separar a sua visão da visão do grupo observado. É necessário tentar distanciar-se da situação e perder a repugnância ou admiração, entrando na cena com curiosidade científica.

Você precisará definir alguns objetivos iniciais (o que você quer conhecer, compreender, qual a pergunta inicial a responder) e algumas hipóteses iniciais (que são suposições, possíveis respostas provisórias para a questão que você quer estudar).

Quando for escrever a respeito, especifique dia, hora, local da observação e a influência deste espaço-tempo sobre as atividades ocorrendo neste momento: longe ou perto do centro, transporte difícil ou não, bairro classe média ou popular, meio-dia, final de tarde, etc.

Explique como você chegou neste lugar: se alguém lhe falou, se precisou ser apresentado, com quem teve que falar para entrar. Verifique se esta “apresentação” está introduzindo já um certo “viés” no trabalho. Antes de observar, reflita: quais são as suas representações (suas idéias aprendidas com seu grupo) sobre este local, grupo, tema?

Descreva bem o lugar, deixe aflorar seus talentos na escrita: queremos ver o lugar, assistir a cena como se estivéssemos lá. Inclua todos os detalhes.

Tente caracterizar o nível sócio-econômico do grupo naquele espaço. Se você não perguntar sobre renda (já que é um exercício de observação), há outras pistas para tentar esta identificação: roupas, moradia, ocupação, maneira de falar, cenas e conversas reveladoras.

Se depois de observar por um tempo, quiser ou precisar interagir, não fique fazendo perguntas sem parar! Não aplique um questionário, puxe conversa. Fale com as pessoas normalmente, conforme o contexto - comentários sobre o tempo, a espera, etc. Perguntas que são feitas em uma conversa - mora longe daqui? quantos filhos tem? trabalha onde? vem sempre aqui? - podem ser feitas sem o tom de “inquisição”.

Pode ser que haja um “especialista” no local, um indivíduo que pode descrever muito bem as atividades e objetivos do grupo (que chamamos de “informante-chave”). No final da observação, você pode explicar a natureza da sua observação e se ele quiser, pode fornecer mais detalhes.

Inclua no seu texto as dificuldades que encontrou de explicar seu trabalho, seus objetivos às pessoas com quem conversou, e as soluções que você encontrou para isto.

Cada detalhe que não for possível verificar só pelo olhar, deve vir com a fonte de informação especificada. De onde saiu aquela informação? Será que não é um pressuposto seu? Por que está supondo isto?

Tentando interpretar os significados, é importante tentar cruzar os valores, emoções, etc., expressos no comportamento, nos gestos, nas falas das pessoas, com a situação sócio-econômica, com a idade, sexo, origem étnica, etc. Há sinais de especificidade do grupo em relação ao que pensam sobre determinado tema? O objetivo do antropólogo é compreender pensamentos e comportamentos coletivos, para isso pode ir do individual ao coletivo e vice-versa.

Você pode começar a formular hipóteses sobre a situação observada, mesmo sabendo que são simplistas e falhas: hipóteses sobre a realidade sócio-cultural na qual vivemos; hipóteses ligadas à experiência de observação ( por exemplo: afirmar que a religião serve para consolar os aflitos não tem nada a ver com a observação, é uma idéia que já existia antes do exercício).

A imaginação científica deve começar a entrar em jogo: uma observação não pode encontrar respostas para todas perguntas (nem uma pesquisa mais aprofundada tem esta pretensão), mas deve levar à formulação de “boas perguntas”, perguntas que podem vir a se tornar questões a serem investigadas mais profundamente.

Vamos a campo para tentar conhecer uma determinada realidade, ou a interpretação dos grupos que estudamos sobre uma realidade. Não vamos a campo apenas para reafirmar nossos desejos, nossas aspirações. Podemos desejar que as desigualdades acabem na sociedade, mas quando vamos estudar a desigualdade, não vamos ficar fazendo discursos sobre o fim da desigualdade e sim tentar compreender profundamente, além da aparência, por que a desigualdade existe e como se mantém.

O objetivo do exercício é praticar a teoria estudada, tentar um primeiro treino de pesquisa, de colocar em prática um certo “olhar antropológico” sobre as diferenças, ou seja, um olhar de compreensão do diferente segundo sua própria visão de mundo e não a nossa. Tentar traçar algumas pistas sobre uma outra visão de mundo, chegar perto, tentar conhecer essa outra visão de mundo, diferente daquela construída pelo nosso grupo de convívio, de socialização. Despertar o “investigador” presente em cada um de nós, para que o futuro profissional que tem como atividade principal criar, possa fazê-lo em sintonia com os grupos aos quais se destina sua criação.

Pode ser que você reconheça, depois do trabalho, que tinha uma visão etnocêntrica em relação a um grupo observado. Então, para algo poderá servir este aprendizado no exercício de sua profissão, pois se for feito com esta intenção, ele poderá abrir seus olhos e ouvidos de um modo especial dali para a frente, marcando o modo como você abordará distintos grupos e públicos na sua atividade profissional.

Faça o exercício buscando despertar a “paixão” interna pela pesquisa, para aprender a construir um olhar diferente sobre o cotidiano, além das aparências, buscando na teoria um “óculos” que pode realçar certos aspectos da realidade. Faça o trabalho sem medo de errar, de modo mais honesto e inteiro possível, procurando “estranhar o familiar”, procurando colocar em prática o relativismo cultural e o combate ao etnocentrismo.


[1] Roteiro de observação elaborado por Nara M. E. Magalhães, para fins didáticos, como instrumento facilitador em atividades de iniciação à pesquisa. Utilizado no Módulo 4 – Pesquisa em comunidades populares e elaboração de diagnóstico. Território Conexões de Saberes/Escola Aberta, atividade promovida pela Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS .

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